"Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos" Manoel de Barros

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Entre estrelas e olhos


Ah! Sempre pensei que a carne humana
- essa carne branda que temos-
é feita dos pedaços dos encontros.
Acho que cada pessoa
quando toca de verdade o peito da gente
- esse peito que abre e fecha ao sabor dos ventos-
deixa um punhado de carne.
E a carne vira matéria-prima da nossa (re)construção.

Quanto aos amores,
digo os amores de verdade,
por piores que sejam as dores
fruto da nossa incapacidade de vê-los em sua inteireza
ou de amar inteira e conscientemente o que vemos,
os amores-homens nos deixam estrelas.
Estrelas bem escondidinhas
no punhado de carne que nos jogam.
Há que se cavar para encontrá-las.

E eu, quatro estrelas tive na vida.
Quatro é um número bonito, par
sem a solidão do um
o antagonismo do dois
o jogo da triangulação
O quatro das estações, dos pontos cardeais, dos cantos do mundo
expande para o cinco,
que é o número de pontas de uma estrelinha,
dessas desenhadas a muitas cores nos cadernos das crianças.
Essas estrelas que trazemos no peito,
além de nos tornarem pessoas mais luminosas,
servem de guia nas noites blackouteadas
(acho que inventei uma palavra).

Minha primeira Estrela-adolescente
me ensinou a mergulhar fundo num outro ser humano
Foi com ela que aprendi
a compartilhar carícias e angústias
a questionar os pacotes-prontos sobre o ser
Por fim, me mostrou pelo exemplo ao revés
que sentimentos não se questiona,
se sente apenas, se aceita
nem que seja só para esperar que passem sozinhos.
Sentimento não é cavalo a ser domado,
nem rei autoritário a se submeter.
É algo que se respeita.

A segunda estrela
- êta estrela danada de boa! -
com ela aprendi a compartilhar a vida de verdade
a sonhar junto
a amar o cotidiano junto
Essa Estrela-diamante me contou da pureza e preciosidade do ser humano
e também do choque de duas duras teimosias.
Ah! Como é danado de bom uma entrega pura
que só a pureza de um olhar em sintonia comigo
e os meus dezoito anos
me permitiram!
Essa é uma estrela que brilha grande e sempre
Bonita como é a beleza dos que amam
E, por amar, respeitam e dignificam as buscas do ser amado
de ser cada vez mais o que se é.

A estrela terceira, Estrela-amorosidade
pôs-me em contato com a beleza e a brutalidade
da alma demasiadamente humana.
Ensinou-me a tocar meu corpo e meus sentimentos mais íntimos
a superar o medo de uma entrega apaixonada
curvando-me à incerteza inerente à vida.
Tomada dessa descoberta, senti-me a mulher mais feliz e linda do mundo!
Um dia, desses bem, mas bem nebulosos, ela me chamou num canto
e me segredou que a amorosidade e a fúria,
o cuidado e a extrema negligência
muitas vezes seguem juntinhos num mesmo veleiro.
Essa estrela me fez triste e forte
ao escancarar, sem me deixar saída,
a vulnerabilidade que marca minhas entranhas.
Mas, mostrou a fluidez das água para mim que era toda terra,
e me fez sentir, sentir, sentir... isso não posso negar.

A quarta e última e breve estrela
me foi jogada como se joga resto de poema fora.
Essa Estrela-desapego tem me ensinado a estar só
diz-me em silêncio que é preciso aguardar o tempo das coisas,
sobretudo das minhas coisas-coisinhas-coisões
Essa estrela piquititica me mostrou
que, por grande que sejam os ressentimentos,
peito-de-gente está sempre aberto para ser tocado e tocar
Ali onde não buscamos ou esperamos,
somos surpreendidos por algo
que faz brilhar nossos olhinhos.

Olho-de-gente é para brilhar
brilhar muito
brilhar a perder de vista
brilhar, opacar, brilhar
opacar, opacar, opacar,
mas sempre voltar a brilhar.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Pelas águas


Manhãzinha colorida hoje, fui caminhar na praia
eis que surgiu uma nuvem-chovendo sobre minha cabeça
como nos desenhos animados.
A nuvem desenhisticamente seguiu-me
quando tentei correr.
Encurralada, desisti da resistência
(êta resistência danada que me é tão cara)
Pus-me a seguir saltitante
entre a imensidão de pingos por todos os lados
Cantinho de riso na boca,
mulher das águas que sou.

Quando dei por mim,
tudo amarelo e azul novamente
quiça de todas as cores, e sem embaçar

Não fosse as poças de água
do caminho de casa,
nem haveria vestígio de que chovera forte sobre mim.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Vida e Brutalidade




- Ei, moça, por favor, a senhora me ensina a viver?
Disse a menina que mora em meu peito meio aturdida com o avalanche de acontecimentos dos últimos anos.
- Brutalidade, moça, Brutalidade. Para todo canto que olho, é muita brutalidade. Mas quero viver até a última gota.

E a moça paralisou-se ante a estranheza daquele pedido.

(...)

E todos os fins de tarde desde aquele dia quem vai à praça da cidade nunca deixa de avistar uma mulher e uma menina, meio sujas, de mãos dadas, abordando as pessoas que passam.

- Brutalidade, meu Deus, é muita brutalidade que ninguém vê. Mas, por favor, nos ensina a viver, que ficamos com a vida até a última gota.

O grande medo

O grande medo que tenho
não é o da morte
Temo sobretudo
a vida
--a dor
----o escárnio
------o fracasso
--------o abandono
Temo morrer esquálida
só e amarga
com a bunda numa cadeira
e nos lamentos por tudo que não fiz.
Eu odeio lamentos!

Medo de estar feliz
e não ter por que brigar.
Medo de ser amada
e me perder no prazer que pode ser
um outro ser humano.

Medo, Pânico
de não encontrar um sentido
para essa coisa absurda que é a vida
essa coisa que amo
sobre-todas-as-coisas
e por amá-la tanto, tanto
- e de modo tão profundo-
e por estar eu
ainda toda enodada
sem firmeza nos pés para cuidá-la só
não consigo deixar de temê-la.