"Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos" Manoel de Barros

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Encantos, Estranhezas e Desencontros




Era raro, muito raro aquele ser que paixão despertou em mim. Tão logo vi-me tocada pelo seu encantamento, fui tomada por um desejo visceral de aproximação. Havia uma espécie de comunhão silenciosa, dessas que se dão poucas vezes na vida e termina por superar o medo abissal de tocar o enigma de um outro ser humano, tendo seu próprio enigma tocado. E a cada encontro crescia o desejo de compartilhar desse silêncio, que guardava palavras de preciosa sonoridade. Havia algo de convidativo em seu olhar, e, não sem medo, ousei a aproximação.

Mas no instante em que nos tocamos pela primeira vez, o ser se esvaiu. E era como se meus dedos tocassem uma nuvem resplandecente, tão visível aos olhos quanto impalpável às mãos. E o ser se reconstituiu em sua beleza, mantendo-se sempre presente, porém distante, quase protegido do toque. Esperei uma aproximação, que, se houve, foi demasiado sutil para a intensidade do meu desejo. E se é verdade que aquele primeiro toque deixou um sabor de cintilância, também o é que o olhar agora ambíguo daquele ser, ora convidativo, ora repulsivo, temeroso, não pôde deixar de produzir em mim certa angústia. Arrisquei ainda outras aproximações, um tanto pífias talvez, um tanto atabalhoadas. Mas o mesmo se deu todas as outras vezes em que nos tocamos. Ora ele se esvaía, ora se congelava ou petrificava para se reconstruir, guardada a devida distância.

Comecei a desconfiar que talvez o total desapego fizesse parte da essência daquele ser que, não sei se por azar ou sorte, tocou-me. Que sua beleza, ora tão bruta, ora tão delicada, não estava para ser desfrutada, compartilhada, vivida, pelo menos não comigo.

Não foi sem dor que aceitei que a minha presença poderia lhe ser prejudicial. Não foi sem dor, mas foi com muita coragem, que renunciei ao meu desejo de aproximação para que aquele ser seguisse brilhando, em sua essência, em seu desapego, em sua solidão.

Ainda não compreendi esse seu raro mecanismo de, embora ter me feito sentir tão viva, petrificar, ou congelar ou se esvair ante o contato talvez demasiado intenso da minha pele. Não compreendi, mas creio ser desnecessário compreender para aceitar as pessoas a quem queremos bem, com toda a beleza e estranheza que lhes compõem.

E, assim, também eu libertei-me para seguir só, em minha beleza, em minha estranheza, mantendo acesa essa essência única do humano de desejar que a realidade seja diferente do que é. Essa mesma essência que tanto nos frustra, quanto nos possibilita inventar e reinventar sempre mundos outros onde caibam os nossos desejos.