"Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos" Manoel de Barros

domingo, outubro 29, 2006

Já não tenho mais tempo para querer ser o que não sou.
Agora, sim, começo a viver.

terça-feira, outubro 17, 2006

Carta aos que ficarão


Quando eu morrer, não quero missa ou velório. Quero pássaros cantando pela manhã.

Os que gostam de mim, quero que sintam por um segundo aquilo de mais verdadeiro em si mesmo. E, diante deste prazer maior ao homem permitido, possam sorrir genuinamente.

Proponho medir os anos de uma pessoa pela variedade e intensidade de sua vida. Assim, não importa a idade que tenha ao morrer, seguramente serei velha, tamanha a mistura de cores que vibram em mim.

Quando eu morrer, quero ser jogada na nascente de um rio abundante. Eu, que vim da terra, com a água quero comungar e seguir o fluxo das coisas e desaguar no mar.

Por enquanto eu fico com a vida!

domingo, outubro 08, 2006

Esse estranhamento não passa ...


Serão todos os homens solitários e tristes?
Hoje eu só me sinto capaz de comungar com a dor e a tristeza, embora a alegria queira entrar dentro de mim.


Esse estranhar a mim... como se eu fosse etérea e impalpável e distante de tudo o mais; e a vida cotidiana exigisse um pragmatismo que não me pertence, mas agarro com afinco, somente para me sentir parte. Parte de uma coletividade maior, parte de um outro, parte de mim, parte do que nem sei bem, mas preciso para poder ser. É que o homem para se humanizar precisa se sentir em comunhão com o que quer que seja. Com uma cultura, um sagrado, uma idéia, um modo de ser, um outro homem.

O que serei eu, afinal, que sou incapaz da entrega? Eu, que não comungo com nada? Que me sinto estranha nos lugares mais familiares, sempre que passo o olho por mim? Eu, que volto aos lugares da infância, às pessoas da infância na busca do pertencimento e só o que encontro é a certeza de que algo se quebrou. Ruptura irreparável esta que me afasta dos meus, que me afasta de mim.

Permiti ter a minha alma violentada, entreguei o que guardava de mais precioso em mim para um desconhecido cuidar. Nesta busca desesperada de não me saber só, acreditei conhecer o desconhecido e o deixei adulterar-me.

Agora tento recompor os pedaços daquilo que não mais poderei remontar. E o peso da minha fragilidade, da minha incapacidade de entrega nunca me doeu tanto. Eu pinto máscaras para tornar a vida mais bonita, mas me envergonho de usar as minhas próprias máscaras. Eu, que por medo de escolher, me deixei ser escolhida. Permiti ter a minha essência adulterada pelo primeiro falso-eu que, para salvar-se de coisas que nem sei, me escolheu. Eu, que tanto penso, mal consigo tocar o âmago de mim e das coisas.

E, em meio ao mundo que vibra além de mim, só me restou o peso das escolhas que fiz e daquelas que não pude fazer. Duvido de mim a cada passo que dou. Estranho-me, sabendo não mais poder recuperar-me, adulterada que já estou.

Eu, que salguei a comida do que seria o jantar mais importante da minha vida. Sem haver tempo de postergar o encontro ou preparar algo novo, decido servir bastante água para os convidados. E desculpar-me com cada um, é claro. Mas não consigo perdoar a mim, reconheço em cada pequeno deslize a minha essência adulterada, dano irreparável. Não posso livrar-me da dor de olhar para os outros e ver-me incapaz de comungar com eles do que quer que seja, de olhar para mim e não mais me reconhecer.